Fragmentos de uma história menos real a cada dia.




Hoje o facebook desenterrou traços de algo de mim que não existe mais. Sorri com nossos comentários, com meu vocabulário adolescente e com o modo como tínhamos certeza de que éramos pra sempre. Rolei a linha do tempo e, olhando de fora, entendi que todas as minhas histórias antigas tinham um protagonista e que eu não suportava ser a típica pessoa de uma referência só.

Enquanto escrevo me dou conta da verdade em minhas palavras. Anos depois, determinadas coisas não se esgotam. Nomes são propositalmente pulados nas histórias e conversas, fotos são escondidas em álbuns empoeirados sobre o guarda-roupas, pequenas joias de uso diário têm a origem omitida... O silêncio é um lembrete grave e insistente.

Eu não posso deixar de saber que tínhamos grandes planos para o ano, que o seu aniversário é fim do mês, que você discordava de mim sobre a política do país e que seu prato favorito no mundo era strogonoff e como isso me soava simplista e conformista. Não posso deixar de saber, então sigo sabendo, mas agora não digo. Minhas referências se ampliaram, olha só. Fiz novos planos, decorei novas datas, li coisas novas e provei novos sabores. Eu, deliberadamente, te ignoro como referência. Eu cresci, olha só outra vez. Eu disse que seguiria pelo mundo e segui, disse que aprenderia e aprendi, eu disse que se fosse preciso te enterrar para isso, eu o faria e, olhe uma terceira vez, eu sempre cumpro o que digo.

Eu busquei ser interessante porque achava que o amor não o era o suficiente. Porque eu achava o final romântico feliz profundamente prematuro e tedioso. Porque eu lia Goethe demais. E agora... Não há agora para nós, nem conjecturas de um depois. Eu fiz uma escolha de futuro nômade, sem âncoras, e eu posso não me orgulhar dele todo o tempo, mas não é como se eu pudesse ou quisesse voltar atrás.

Às vezes algumas verdades incômodas deveriam calar-se. Às vezes a verdade não possui função prática. De todo modo, eu me recuso a ser prática. Tendo função ou não, eu não apaguei ou ocultei nenhuma declaração do passado. Pode ser que ninguém, em momento algum, vá encontrar nossas promessas de anos atrás, mas, ainda assim, eu as deixei lá, como um último lembrete concreto dos alarmes mentais que a gente silencia: “ei, olha quem você prometeu que amaria hoje, há quatro anos atrás”.

19 Comentários

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  1. Tem uma frase que eu acho bem poderosa e que casa com seu texto: sua ausência fazendo silêncio em todo lugar.
    Mas guarda esse sentimento e, daqui uns anos, você vai reler esse texto e ver que até esses sentimentos mudaram :)

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  2. Eu amei o texto, achei ele bem denso de sentimentos, nossa eu achei muito bem escrito e poderoso! Poderoso na voz de uma mulher poderosa, madura e segura falando! Parabéns! Clap Clap Clap!!!! Palmas pra vc!!!!

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    1. Nossa! Muito obrigada! Fico muito contente que você tenha gostado.

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  3. Que texto intenso! Mas me identifiquei muito com ele, principalmente por estar passando por um período assim em questão de relacionamentos.
    Adorei! Você escreve muito bem!

    Um beijo!

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    1. Obrigada. É ótimo quando rola identificação! Beijo.

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  4. Uau! Que texto incrível! Eu li como se algumas passagens falassem coisas que já passei e como às vezes é preciso que deixemos algumas coisas partires. Por mais importantes e marcantes que elas possam ter sido não é? Faz parte do amadurecimento, do nosso próprio encontro... texto de uma mulher super resolvida e esclarecida =D beijos linda!

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    1. Você me fez perceber que existem várias formas de se sentir um mesmo texto. E, de fato, é importante deixar ir. Obrigada pelo comentário. Beijos

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  5. Amei demais esse texto! Me identifiquei em cada linha, muita coisa parece que eu que escrevi porque são pensamentos recentes (de quando finalmente me toquei de como eu cresci, evolui e fiquei bem após o fim de um relacionamento).
    Você arrasou nesse texto, de verdade!
    Beijão e parabéns!

    www.carolpestana.com

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    1. Que bom que rolou identificação. Amo quando isso acontece! Obrigada pelos elogios e pelo comentário!

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  6. CARALHO ESSE TEXTO.
    as tuas linhas, tão cheias de você e tão cheias de sinceridade, foram prendendo e absorvendo, sabe? Que coisa linda demais de ler. Saber que o que passou faz parte do que somos e ter certeza do que se quer aqui pra diante.

    Honestamente? não gostaria de ser a outra pessoa na lembrança. Tudo aqui é tipo cantou Herbert Vianna: palavras duras em voz de veludo.

    Não parece que bate, mas a gente apanha.

    Amei, amei, amei.

    Beijos

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  7. CARA, não tenho como expressar o que senti lendo esse texto! Não tenho mesmo, uma mistura de admiração pela escrita, com admiração pela pessoa, com identificação de mim mesma a uns meses atras, nossa, amei demais. Preciso contar, depois de passado este sentimento eu apaguei, apaguei toda e qualquer declaração de todas as redes sociais, elas agiam em mim como uma esperança de algo que eu nem se quer queria que acontecesse. Foi um período lindo e doloroso da minha vida o qual preferi apenas guardar o que foi bom dentro de mim. E de resto desapeguei!
    Um comentário meio sem pé nem cabeça talvez, mas veio de coração.
    Parabéns pelo texto.
    Beijuuuu

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    1. Não é um comentário sem pé nem cabeça. Fico contente que minhas palavras tenham despertado em você esse sentimento, essa reflexão e atitude. Me mostra que às vezes o que a gente escreve na madrugada e acha que ninguém vai ler ou prestar atenção, toca alguém. Sua revolução íntima, ainda que pequena, é a prova de que eu tô me tornando um rascunho de escritora. Obrigada.

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  8. Que intenso né??? Fora que escreves muito bem, parabéns! Senti um sentimento de ruptura ao ler teu texto... Rompimentos que são trazidos pelo dia a dia, rompimentos que não vislumbramos nem planejamos... Fazia tempo que não parava para pensar nisso. Quando ficamos mais velhas, no meu caso claro, e optamos pela estabilidade, os rompimentos passam despercebidos, os ocultamos da nossa timeline...
    Beijos
    Rita

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    1. Muito bacana que esse processo tenha causado amadurecimento em você. Obrigada pelo comentário. Beijos

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  9. Que post mais lindo. Eu geralmente não tenho muita paciência pra ler texto autoral; começo, mas as 4 primeiras linhas me cansam. Esse, não, eu li e me captou, daí fui até o final!

    Parabéns pela escolha de palavras, achei umas imagens tão lindas, tipo "Porque eu lia Goethe demais"; "Eu fiz uma escolha de futuro nômade".

    Bjoo!

    Lady Salieri
    www.visaoperiferica.com

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    1. Muito obrigada pela paciência em ler até o fim. Haha. Conta muito. De verdade. E obrigada pelo comentário.

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