Foto: Ian Dooley |
Não me recordo qual foi última vez que esfriou por aqui, mas o jornal prevê que uma frente fria se aproxima e o tempo deve mudar no decorrer do dia. Eu detesto o frio e detesto ainda mais ser pega desprevenida, então assim que me deparo com o aviso que as temperaturas vão cair, vou em busca do meu kit inverno, que nada mais é que sobretudos, cardigãs para sair, moletons para ficar em casa e umas duas ou três cobertas mais quentinhas, tudo organizando dentro de algumas caixas no armário no fim do corredor.
Na primeira caixa estão as
cobertas, a segunda está vazia, então me lembro que emprestei algumas roupas de
inverno para minha prima e outras estão na lavanderia para não ficar com cheiro
de roupa guardada. Mas há uma terceira que não lembro de ter colocado ali, ainda
sim sei o que há em seu interior, essa por sua vez guarda tudo aquilo que eu
não quero lembrar.
É uma caixa pequena, se comparada
as outras. Nela encontro um moletom daqueles que só fazem sentido quando estão
com a outra metade, do contrário ninguém entende o que ele quer dizer. Embaixo
dele há alguns bilhetes, cartões e fotografias, eu posso dizer sem olhar o que
cada item diz, então deixo para lá, já que não faz mais sentido recordar isso
hoje. Quando estou prestes a fechar a caixa um detalhe
me chama a atenção, uma fita branca com um coração vermelho na ponta pende em
um dos bolsos do moletom cinza. A minha curiosidade é maior que
minha apreensão, e quando me dou conta já puxei a fita, e com ela surge uma
foto polaroide presa na outra ponta que eu nunca tinha visto antes.
Na foto estou sentada na grama
lendo um livro usando uma camiseta sua, o cabelo preso em um coque alto enfeitado
com um girassol, enquanto alguns cachos insistem em ficar soltos, óculos de aro
grosso e a cara limpa. Mas o que mais me impressiona é o fato da fotografia
conseguir captar o exato momento que uma borboleta monarca pousa no girassol preso
em meu cabelo. Naquele dia quando senti que algo na minha cabeça, tudo o que eu
consegui sentir foi medo e te culpei por isso, afinal você insistiu para que eu
usasse a flor com acessório.
Certamente nunca que uma foto
dessas iria para uma das minhas redes sociais. Porém, olhando agora o registro
desse momento, essa foi uma das poucas vezes que tirei um tempo para fazer algo
por mim. Você vivia me lembrando de como eu era linda e que não precisava
passar horas me arrumando para parecer alguém diferente. Que se eu pegasse um pouco do tempo que
gastava alisando o cabelo, colocando a lente de contato, planejando a roupa
perfeita e me maquiando eu poderia fazer algo da minha lista de pequenos prazeres para uma vida feliz, que eu vivia adianta por falta de tempo.
Você sempre dizia que eu deveria
viver da mesma maneira que eu dormia, porque era mágico o que acontecia comigo
quando eu desacelerava. Eu nunca entendi o que isso significava, mais olhando
agora para essa imagem eu te entendo. A garota ali está tão plena, relaxada, é
como se uma luz emanasse dela, ainda que ela não estivesse dormindo. Naquele mesmo dia, depois do
incidente com a borboleta resolvi deixar a leitura de lado e focar em algumas
coisas do trabalho. Você não disse nada para me fazer mudar de ideia. Algumas
horas depois você invadiu a sala com a ideia maluca de tomarmos banho de chuva,
eu estava tão concentrada que nem percebi o barulho dos pingos no telhado, eu
sempre detestei o frio, mas amava a chuva, o barulho que ela fazia enquanto
caia era algo reconfortante, porém sair ao seu encontro não era muito a minha
praia.
Eu listei vários motivos de como
isso poderia dar errado. Você não disse nada só saiu correndo e quando consegui
te alcançar toda preocupada você estava reproduzindo de maneira tosca a cena
clássica de Gene Kelly, no filme Cantando na Chuva só que cantava a música Na
Rua Na Chuva Na Fazenda. Você estava tão feliz fazendo isso que eu queria
sentir essa felicidade, então me rendi e fui dançar na chuva também. Quem diria
né? Você tinha esse dom de simplificar às coisas enquanto eu sempre criava obstáculos.
Como uma imagem pode carregar consigo
tantas lembranças, como uma fotografia pode despertar tanto sentimentos, nos
fazendo questionar como tudo pode mudar da noite para o dia. Eu não sabia que você
estava fotografando aquele momento tão raro e olhando agora posso ver a cena
com seus olhos e tudo o que consegui sentir é paz, ainda que eu não conhecesse
esse sentimento naquela época. E agora tudo o que desejo é voltar a ser a menina
dos seus olhos, enxergar a vida como você enxergava a garota daquela foto.
Oiee
ResponderExcluirDifirente de você eu estou com uma inveja danada de quem mora no sul...com essa onda de neve chegando...
❤️❤️❤️
Mas eu te entendo também... Espero que fique tudo bem ..
Beijinhos
Cátila Santos
Ai, essas caixas de lembranças... Vez ou outra na vida a gente esbarra nelas, e uma foto ou objeto traz tanta coisa à tona... Amei demais o texto, combinou com o climinha de inverno e me trouxe um quentinho no coração <3
ResponderExcluirAne do céu, que texto mais maravilhoso!
ResponderExcluirEu adoro o modo como você constrói as cenas! Ainda quero ler um texto seu.
Um beijo,
Fernanda Rodrigues | contato@algumasobservacoes.com
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