Estudar no exterior parece ser uma oportunidade maravilhosa e cheia de conquistas à longo prazo: valorização do currículo, aprender uma nova língua a nível nativo, fazer contatos no estrangeiro, conhecer novas culturas e, quem sabe, encontrar um amor. Mas nem tudo parece ter saído de um filme estadounidense inspirador dos anos 2000.
Decidir estudar no estrangeiro é fácil, é só bater o pé e dizer: “Quero estudar fora do Brasil”. O mais difícil são os processos que vêm depois disso...
Eu sou Ayumi Teruya, dona do blog Pandinando e estudante de psicologia na UBA (Universidad de Buenos Aires); e venho contar para vocês algumas coisas que ninguém conta sobre como é estudar no estrangeiro. Vamos lá?
1. A papelada.
Não é tão fácil sair do país quanto você pensa que é. Isso envolve um longo processo de legalização, reconhecimento de firma, enviar documento para lá e para cá, esperar carimbo do Ministério da Educação, gastos com transportes para lugares que você nem sabia que existiam na sua cidade e afins. Sem falar que ninguém sabe muito bem realmente o que é necessário para estudar fora, já que ao pedir informações, os próprios funcionários não sabem como o colocar na direção certa e os dados da internet podem estar desatualizados. É realmente uma grande dor de cabeça, mas que vale à pena quando você vê aquela montanha de papel que permite o seu futuro na gringa!
Então se você está por terminar o ensino médio ou quer fazer algum curso, pós, ou o que quer que seja, planeje com antecedência e tenha em mente que você pode demorar em torno de um semestre para juntar tudo o que precisa.
Não seja o tipo de pessoa que diz: “vou estudar na gringa, comprei passagem para o mês que vem, mas ainda não sei quais papéis preciso... Com certeza deve ser só um carimbinho, amanhã mesmo eu vou ao cartório e pronto”.
NÃO, NÃO SEJA ESSE TIPO DE PESSOA. Toda burocracia leva tempo, tome o seu e, por favor, não arranque os cabelos ou desista quando pareça tudo muito complicado.
2. O idioma.
Com certeza é uma questão a ser trabalhada se você não fala a língua daquele país. No meu caso, eu fiz quatro anos de espanhol e procurava assistir algumas coisas da Argentina (confesso que não era muito bem-sucedida nessa parte, já que passei meus últimos meses no Brasil assistindo séries britânicas, mas isso a gente abafa).
Tem muita gente que prefere vir de paraquedas e aprender na marra, outros fazem cursos rápidos de dois meses ou até menos. A questão é que nenhuma dessas opções é mais certa que a outra, e cada um tem diferentes níveis de facilidade para aprender idiomas, mas há algumas coisas importantes que você deve ter em mente, já que o seu objetivo é estudar nesse país:
- Falar essa língua para ser entendido e não morrer de fome na sarjeta;
- Entender o que dizem os professores na hora da explicação das matérias;
- Escrever o suficientemente bem para ser entendido pelos professores e aprovar as matérias.
Mas não se preocupe, cada caso é um caso e uma coisa é certa: o idioma nunca se apresenta da forma que você aprendeu e sempre existirão novas palavras a cada dia. Eu pensava que já estava praticamente fluente no espanhol, e talvez estivesse, mas não estava fluente em porteño. Assim como no Brasil, cada região dos outros países possuem o seu sotaque e palavras próprias, se quiser um exemplo claro, temos a interminável batalha entre “biscoito” e “bolacha”.
Você aprende a língua da maneira mais clara possível e quando chega no país a vida te apresenta algo que parece russo misturado com latim, mandarim e alemão ao mesmo tempo. É tudo uma questão de costume e de estar aberto aos modismos daquele lugar, você entra “hablando español neutro” e sai falando “che, yo hablo castellano”.
Com um pouco de pesquisa você pode saber, mais ou menos, como é o vocabulário e o sotaque de cada país. Mas isso não é nenhum monstro de sete cabeças, o importante é ser entendido e as gírias você vai adquirindo com o tempo.
3. Choque cultural.
Não é segredo que cada país tem uma cultura diferente e nem sempre são todos aqueles que se adaptam às novas realidades da vida. Valores, estilos de roupa, modos de dirigir-se às pessoas, tudo pode ser completamente diferente e até causar um certo receio às vezes, você pode até chegar a pensar “como eles ainda pensam dessa forma arcaica?”, mas devemos respeitar todas as diferenças, afinal, o gringo daquele país é você.
Pode realmente assustar no começo, mas ao longo do tempo as coisas que você achava estranhas começam a fazer parte do seu cotidiano e tudo aquilo vira algo normal. Pode ser um pouco complicado no começo e se você não segue essas “normas populares”, eles sabem logo de cara que você é estrangeiro.
Eu sempre consigo identificar brasileiros aqui na Argentina, é só ver um grupinho de pessoas falando e rindo alto, com roupas coloridas ou mais estampadas, mulheres com maquiagem (as argentinas usam pouquíssima maquiagem no dia-a-dia e quando usam, é bem pouca, tipo batom e rímel) e, pasmem, até pelo corte de cabelo ou tipo de cabelo você consegue identificar. Sim, é uma loucura!
O problema desse choque é justamente a questão da identidade cultural, você quer se manter fiel a você mesmo, mas se você não seguir as “regrinhas” do país, você pode ser “excluído” socialmente e isso envolve o preconceito, já presenciei cada coisa que dá até calafrios só de lembrar. Sim, é chato quando as pessoas vivem olhando torto para você ou te descriminam de alguma forma, só porque você é de outra cultura, já aconteceu comigo e pode acontecer com qualquer um, e acredito que você não deve mudar a forma de ser só por causa de pessoas que riem de como você foi educado culturalmente, mas abrir-se para outras visões do mundo podem fazer com que você se torne uma pessoa mais vivida e amplia os seus horizontes, sempre respeitando a sua cultura e a cultura do outro, é claro.
Por isso mesmo, se em algum momento você deu uma socializada com um “gringo” e ele olhou meio torto, a solução nunca é andar somente com brasileiros ou procurar amigos brasileiros, fazer isso é entrar em uma zona de conforto e recusar todas as oportunidades de conhecer novos pontos de vistas e culturas. Imagine só, você vive 10 anos em um país e volta para o Brasil e as pessoas perguntam “você viu tal coisa? Você comeu tal coisa? Como é tal coisa?” e você nem tem ideia de como responder, porque ficou fechado em um mini Brasil onde comia as mesmas coisas e convivia com brasileiros. Não digo que é errado ter amigos da mesma nacionalidade em outro país, mas antes se faça uma pergunta importante: eu seria amigo dessa pessoa se estivesse no Brasil ou só estamos juntos porque a única coisa em comum é a nossa nacionalidade?
4. Saudades.
O emocional é uma das coisas que mais mexe com a gente quando estamos fora do país. No começo, só somos capazes de enxergar os pontos positivos e temos certeza de que esse lugar novo que estamos é melhor, e que a vida vai realmente alavancar de uma forma maravilhosa. O problema é quando essa nuvem da felicidade vai embora e os problemas aparecem, a saudade vai aumentando e você vive uma confusão emocional até se encontrar novamente.
A verdade é que saímos do Brasil e deixamos o conhecido para trás, família, amigos, casa, o sentimento de pertencer a um lugar que sempre foi seu. Ao chegar em outro país, a saudade vai aumentando, estamos sozinhos em um lugar que não conhecemos, com uma cultura completamente diferente, saudades da família, da saída com os amigos, da comida da vovó e até do “bom dia” do seu Augusto da padaria.
E essa saudade imensa faz com que surja uma vontade enorme de querer voltar e qualquer problema, por menor que seja, vai aumentando a lista de razões para entrar em um avião e não olhar para trás. Queremos voltar para aquele lugar que sempre foi nosso e sentir-se em casa mais uma vez, entender as piadas internas do país e não ter que perguntar quem é Mirtha Legrand e Susana Giménez. Mas a questão é que já não somos mais os mesmos de quando saímos de lá e tampouco as pessoas que conhecíamos, as coisas mudam em uma velocidade que não podemos controlar e você acaba se sentindo meio descolocado no seu próprio país, como se não pertencesse a nenhum lugar, mas a verdade é que agora você pertence a esses dois mundos e deve aprender a lidar com os giros que a vida dá.
5. Nacionalismo louco, síndrome do vira-lata e indiferença.
Nessa sua nova jornada de vida, você com certeza encontrará brasileiros que estão passando pela mesma situação, seja porque vieram estudar, trabalhar ou têm família por aqui. E cada um deles encara essa situação de formas diferentes e você será capaz de separá-los em três categorias: nacionalistas, aqueles com síndrome do vira-lata e os indiferentes. Depois de algum tempo, você mesmo acaba se encaixando em uma delas de alguma forma.
Quando cheguei à Argentina, eu era indiferente, a Argentina não era melhor que o Brasil e o Brasil não era melhor que a Argentina, os dois eram diferentes e não tinha como comparar. Eu não era interessada nas notícias brasileiras e nem escutava ou assistia tantos filmes nacionais, aliás, me sentia identificada com a frase: não gosto de carnaval, funk, calor, futebol... Acho que nasci no país errado.
E então surge o poder da saudade, aquela vontade de que seus amigos argentinos entendam as referências de quando você fizer piadinhas envolvendo Silvio Santos, Celso Portiolli, Xuxa, funk do Yudi que vai dar PlayStation 2, Maísa... E de repente, você quer se sentir mais brasileiro e qualquer coisa que lembre o Brasil faz você saltar de emoção e é aí que estão os nacionalistas.
São aqueles brasileiros que mesmo longe, resolvem valorizar ou demonstrar o amor que têm pelo lugar de onde vieram. Geralmente são as pessoas que têm a bandeira em algum lugar (seja na casa, um adesivo no carro, um desenho na parede, um chaveiro de enfeite), escutam músicas brasileiras, passam a gostar de filmes nacionais e encontram alguma forma de submergir na cultura que uma vez fizeram parte. São esses que aprendem a valorizar as coisas que tínhamos e que no novo lugar não temos, passamos a valorizar coisas que nunca imaginaríamos. Esse é o caso daquela frase famosa: “só valorizamos quando perdemos”.
Eu, no meu auge da saudade, passei a escutar mais músicas brasileiras, assisti filmes nacionais que sempre disse que eram horríveis e descobri que não são ruins (é só a velha síndrome do vira-lata), aprendi a valorizar a qualidade dos sapatos, roupas e até materiais escolares. Os doces, os salgados não são os mesmos, nem sequer o gosto das frutas.
Brigadeiro, beijinho, pastel, coxinha, esfiha, feijoada, salgadinho Ruffles e chocolate garoto são coisas que não existem ou não se encontram em qualquer lugar.
Você consegue ver que existem certas coisas que eram boas no Brasil e que nem tudo o que você achava que estava mal era verdade, porque éramos cegados.
Então temos os Brasileiros com a síndrome do vira-lata, que é muito comum e eu mesma já me encontrei de alguma forma nesse lugar. São aqueles brasileiros que esculacham o Brasil, reclamam dos aspectos do país o tempo todo e nem parece que são brasileiros de tanto que criticam o próprio país. São aqueles que exaltam a superioridade dos países estrangeiros a todo custo e dão “graças a Deus” por terem saído do lugar que moravam. É bem comum escutar os dizeres: “os filmes brasileiros são uma porcaria”, “brasileiro no exterior é tudo malandro”, “música nacional é horrível”, “brasileiro só sabe fazer bagunça em outros países”, “nossa política é uma bosta”, “não se pode comprar nada naquele país”, “a economia é uma vergonha”, “nem faço questão de me juntar com brasileiro”, “educação do país é um lixo”, “só tem ladrão e corrupto”.
O problema é que esquecemos que cada país é diferente e que todos têm seus pontos positivos e negativos, além disso, é o próprio povo que constrói o país e se nós não fizermos nada para mudar isso, o país vai continuar igual, reclamar nas redes sociais e espalhar para os quatro ventos os problemas do Brasil não vai ajudar a resolvê-los. Sem falar que a maioria dos outros países só espalha o lado bonito, afinal, como é que vão conseguir turistas se espalharem todos os problemas que eles têm?
E posso contar um segredo? Os estrangeiros amam o Brasil, principalmente os Argentinos.
6. Dia-a-dia.
Antes de vir, você pode ter a impressão de conhecerá vários lugares diferentes e que se divertirá muito passeando pelos pontos turísticos. Viver no estrangeiro parece um sonho sendo realizado. O que acontece é que o dia-a-dia te consome e você passa a lidar com os problemas políticos, econômicos e sociais que aquele país enfrenta no momento. É algo que eu sempre digo: visitar é uma coisa e viver é outra.
Quando “turistamos” por aí, só vemos as belezas do país e não estamos realmente insertados na realidade deles, existem muitas experiências que ficam de fora e que a gente só conhece quando começa a pagar as contas do lugar em que vivemos e saímos para fazer a compra do mês.
A luta e as dificuldades deles passam a ser nossas, estamos vivendo uma realidade diferente, passamos por um período de adaptação e muitas vezes não temos tempo para fazer tudo aquilo que tanto havíamos planejado. Passamos a nos preocupar com o aumento do gás, do transporte público que usamos para ir à faculdade e até ficamos por dentro das questões políticas (mesmo não podendo votar nos candidatos).
Os amigos até podem pensar: “nossa, vive na gringa... Ganha em pesos/euros/dólares/etc, que rico”. Só que o problema é que também pagamos em pesos/euros/dólares/etc o que não é vantagem alguma.
O lado positivo disso tudo é aprender a se virar e ser capaz de adaptar-se a todas as situações possíveis que a vida apresenta. Você está aprendendo algo novo todos os dias e será muito mais fácil de adaptar-se a outros países se você passa por uma experiência dessas, além disso, se você conseguiu passar por tudo isso e ainda se formar, é um bom extra na hora de procurar um emprego.
7. Seu corpo e a alimentação.
Não é segredo que cada país tem a sua comida típica, mas você sabia que até a água pode ser diferente?
Ao morar em outro país, o nosso corpo deve se acostumar com as outras substâncias presentes nas comidas, o açúcar daqui pode não passar pelo mesmo processo que o açúcar daí, até mesmo os corantes e agrotóxicos. O mesmo produto pode não ter o mesmo gosto e essa mudança drástica na alimentação influencia o seu corpo. Além dos próprios produtos de beleza serem diferentes, principalmente shampoos e condicionadores.
Por isso os primeiros meses podem ser complicados, você vai sentir a sua pele e cabelos diferentes, pode emagrecer ou engordar muito e até ter problemas no estômago. Tudo isso até que o seu corpo se acostume à “nova comida”.
E ainda falando sobre comida, é bem difícil encontrar comida brasileira, dependendo do país em que você vive. Aqui é muito difícil de encontrar uma manga docinha, maracujá e muito menos jabuticaba; farofa e Yakult são inexistentes e o chocolate é uma questão complicada. Alimentos iguais como Coca-Cola, leite condensado, feijão preto e café tem gostos e intensidades diferentes. Por outro lado, o novo país vai ter comidas que você não encontrava no Brasil, como: matambre a la pizza, alfajores dos mais diversos tipos, raviólis caseiros e sorvetes caseiros.
Essas foram algumas das coisas que ninguém conta para aqueles que querem estudar e morar no estrangeiro! Espero ter ajudado de alguma forma e se você quiser saber como fazer para estudar na UBA (considerada a melhor faculdade da América Latina) ou ler sobre as minhas aventuras na terra dos Hermanos, é só entrar no meu blog! Não deixe de conferir O que você precisa para estudar na Argentina.
Beijos e até a próxima!
Amei o post! Super completinho e tirou muitas dúvidas que ficam na minha cabeça. Apesar de todas as dificuldades, estou super afim de fazer intercâmbio e sair um pouco do país. Vivenciar outra cultura, aprender a me virar sozinha, enfim...
ResponderExcluirSeu post valeu super para mim!
Beijo.
Esse foi um ótimo post! Acho que todos deveriam ler antes de pensar bem na aventura. Eu acompanhei a saga de uma amiga tentando ir pra Londres. Ela foi em tanto médico e preenchia tanto papel, parecia que ia se mudar de vez pra lá e não apenas passar 40 dias... Agora tem um amigo que trabalha comigo entando ir pros EUA. É nítida a preocupação na cara dele, pra passar no TOEFL, mesmo sendo fluente em Inglês... Eu acho que se eu fosse, meus maiores problemas seriam a comida e a saudade... bjks!
ResponderExcluirhttp://mundinhodahanna.blogspot.com
Ótimo texto e super verdadeiro, minha irmã já foi pra fora várias vezes e na primeira vez fez várias coisas erradas :( Hoje ela mora na Irlanda, E já viajou para alguns lugares da Europa e mesmo tendo uma fisionomia europeia ela passou por várias dificuldades por ser de outro pais.
ResponderExcluirEsse foi o texto que mais explicou meus dias!!!
ResponderExcluirEu não vim pra estudar mas casei e vim morar aqui na Finlandia. O choque cultura, o idioma, a saudade... Cara, não tem como explicar como todas essas coisas juntas fazem com que pequenas coisas como quem sonha a vida toda morar fora do Brasil, ser um sofrimento.
Adorei o post, sério!!!
A Bela, não a Fera | A Bela, não a Fera no Youtube
Achei seu post muito interessante, bem informativo e verdadeiro. Tenho muita vontade mas ao mesmo tempo muito receio rs.
ResponderExcluirMeu sonho é estudar em outro país e te digo que esse post me deixou com mais vontade ainda! Hahaha!
ResponderExcluirA verdade é que sempre haverão grandes mudanças que nós não esperamos, mas que precisamos nos adaptar, e cada pessoa verá isso de uma forma (boa ou ruim).
Ameei sua postagem. Realmente as pessoas n costuma falar muito sobre isso, apenas sobre as partes boa do intercâmbio, mas é muito bom tem um pezinho no chão, mesmo sendo incrível, tem seus pontos não tão bons
ResponderExcluirXoxo, Sam Joyce
www.samjoyce.com.br
Eu morro de vontade de estudar fora mas é algo que esta totalmente fora da minha realidade financeira mas eu preciso focar porque minha real vontade é morar na california e trabalha para BlumHouse como maquiadora de efeito especial.
ResponderExcluireu AMEI esse seu post! meu blog é de viagens e então tem tudo a ver com tudo o que amo! esses fatos realmente estão presentes na vida de intercambistas, né? estou esperando o resultado de um intercâmbio e estou muito ansiosa, espero ser selecionada, no entanto, já estou sofrendo de saudades da família em antecedência!
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