Em várias situações ao longo da minha vida
eu percebi que incito em algumas pessoas, principalmente em alguns homens,
certa agressividade. Tem algo a ver com o meu nariz em pé que desperta neles o
desejo de me colocar de volta ao lugar que eles imaginam que eu deva ficar, com
mostrar que minhas ideias são errôneas, com afirmar meu tamanho e peso ínfimos
e demonstrar minhas limitações. Algumas vezes esse desejo de me humilhar de
algum modo chegou às vias físicas: namorados que me prendem à força em seus
braços, colegas que faziam cócegas para além do meu fôlego. Algumas vezes a
ideia era ter o poder de transformar essa mulher adulta e “indomável” em algo dócil
e maleável sobre braços fortes, outras vezes, trata-se de brincadeiras aparentemente
bem intencionadas cujos objetivos eram fazer meus olhos saltarem de desespero e
provar literalmente à força minha fragilidade.
Demorei para me dar conta do significado
dos machucados ocasionais que apareciam em mim, da sua insistência em
demonstrar as diferenças de renda e dos pequenos apelidos depreciativos. Você
nega, é claro. Mas eu passei alguns anos apanhando antes de aprender a
reconhecer o sadismo nos olhos de alguém. Você chega com seu carro tocando
algum som muito alto, cumprimenta as pessoas sonoramente, entra no ambiente
calçando sapatos que deixam marcas sobre o chão, joga-se abertamente no sofá,
toma o controle e escolhe algum canal, ajustando o volume em uma altura
suficiente para ser ouvida por toda a casa. Acostumado demais a não ter resistência,
pelo seu tamanho, pelo seu emprego, pelo seu sexo. Eu te peço que abaixe o
volume, que divida espaço no sofá, que tire os sapatos para entrar e pronto,
está feito o incentivo para que você me mostre, que poderia, se quisesse, não
me atender.
Desde pequena minha mãe dizia que eu
apanharia muito do mundo pelo meu jeito. Eu me fechava e me protegia, mas no
íntimo, sempre que alguém me machucava, eu lembrava de suas palavras. É difícil
seguir quando se nota que tanta gente quer te ferir. Quase como se o meu
fracasso provasse que uma mulher não pode falar tão alto ou ir tão longe de
casa. Quando eu assisti “Que Horas Ela Volta”, não precisei que ninguém me
explicasse o que era ser Jéssica: andar pelos espaços como alguém de direitos,
quando todos esperam que você seja discreta e se desculpe constantemente por
existir.
Eu não preciso ser lembrada da minha
fragilidade. Rotineiramente, todas as vezes que me calço para sair à rua, eu me
acuso intimamente de ser pretenciosa. Meu medo e minha coragem estão sempre
juntos. No short que eu uso, no curso que eu faço, no bar que eu entro, nas
opiniões que eu dou. Eu tive que criar casca para viver, mas não se engane, o meu
de fora é tão de verdade quanto o que é de dentro. E se você precisa tanto me ferir
e lembrar do meu lugar, talvez haja uma razão, talvez seja eu que te lembre do
que você não é e que, mesmo pequena assim, eu tenho ido longe e conquistado muito.
Você me ganha no braço, veste seu cinto e aproveita os seus instantes de
prazer. Mas o instante passa, eu me refaço e você, se tiver sorte, vai se dar
conta que o braço é tudo o que você tem.
Twitter: @alexiacristal
Gente, que texto! Esse último parágrafo foi perfeito, você escreve muitíssimo bem, parabéns!
ResponderExcluirMenina, você arrasa. Amo texto autorais, são tão verdadeiros e dizem tanto de quem escreve. PARABÉNS!!
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