Fazer amor

O negócio comigo é que eu não sei ser de mentira. Eu não sei dizer que te amo se eu não souber dos teus maiores medos, das tuas inseguranças e o que você quer dizer quando me olha enviesado. Eu vou me lembrar de cada detalhe do que você me disser e vou usar cada uma dessas coisas para compor nossas declarações. Eu vou escrever sobre você. Chorar sobre você. Te contar minhas loucuras. Compartilhar. Eu vou fazer ser profundo, ser intenso, ser de verdade. E você vai entender o que eu preciso quando eu te tocar e eu vou conhecer a sua expressão exata segundos antes de gozar. E tudo vai ficar tão impresso, tão vivo e ardente que a gente vai chamar de amor. E acreditar que é amor. Porque só pode ser amor.
Não é nada como um superficial primeiro encontro nervoso e alcoólico com outra pessoa. Não é nada como um primeiro beijo desajeitado de quem não sabe como a gente gosta da língua. E a gente se vê cheio de preguiça dessa gente que não sabe o que nossas frases desconexas, olhares perdidos e sinais corporais querem dizer. Preguiça de começar de novo quando já existe alguém no mundo que sabe de tudo, absolutamente tudo que a gente precisa que alguém saiba sobre nós. E assim, visto de longe, com as comparações e os fracassos dos ficantes meia boca, a gente vai se enchendo de mais certeza de que era amor.
A gente é tanto armadura, que quando se deixa ser de verdade a gente desacostuma. Às vezes o que a gente chama de amor é só o encontro de pessoas dispostas a despir. Pessoas que demandam tempo e paciência em descobrir o outro, acreditando que a recompensa será o conforto da camisa alheia, sob a pele limpa, recém saída do banho. A verdade é que quando a gente sabe que é amor, a gente gosta da gente, porque o outro também gosta. A gente encontra amor próprio no amor alheio. E aí já não tem tanto problema se estamos descalços e pesando alguns quilos a mais, porque o outro também está. E é a nossa pessoa no mundo.
Mas acaba. E a gente acaba ao mesmo tempo desejando e temendo que nunca mais aconteça de novo.  E se só se amar uma vez? Em quantos amores eu posso caber? E se eu amar de novo, meu amor passado terá sido mentira? Será mesmo que se eu fosse Dindi e soubesse o quanto machuca, não amaria mais ninguém?

Acontece que, depois de um tempo, quando as coisas esfriam, eu sou capaz de pensar na minha pessoa fazendo de outra pessoa a sua pessoa. Posso enxergar a poesia no novo encontro, desejando que seja tão de verdade quanto o nosso foi. E mesmo sabendo o quanto machuca, eu me lanço de novo, escuto de novo e digo de novo, construindo um novo amor. Porque a única coisa que me faz pensar que o tempo não foi perdido, é saber que não foi de mentira, que eu conheci alguém e me fiz conhecer tão inteiramente quanto era possível. E um amor não nega o outro. Vou vencendo a preguiça, vou me fazendo disposta, vou abrindo espaço. Eu faço amor, enquanto for possível fazê-lo. Eu posso até fazer uma pausa. Respirar fundo, sofrer e me fechar em luto pelo que acaba. Mas eu sei que sou capaz de fazer amor de novo. E de novo. E de novo.   

5 Comentários

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  1. Nossaaaaaa! Que texto m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o!:O Estou arrepiada aqui.
    Amei cada palavra, cada frase. Tudo tão bem escrito e encaixado. Parabéns!
    Beijos,
    #fiquerosa

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    1. Fico muito contente que você tenha curtido. Obrigada!

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  2. MEU, você traduziu uma fase que eu to passando agora. "Em quantos amores eu posso caber?" Uma frase não, um tiro que levei agora, na próxima a senhora me avise quando for dar esse tiro pra me preparar melhor, haha. Escreve muito bem, guria <3

    Beijos, Ahri Yurbashian
    the-pinkhooker.blogspot.com.br/

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  3. Amei esse texto! Você descreveu o perfeito ciclo do viver, viver amando. Porque amor que nunca acaba, que nunca esgota, esse é difícil encontrar fora dos contos de fadas. E, a melhor parte é deixar claro que, nem porque algo acabou, significa que tenha sido uma mentira!
    Tô sem palavras, mas adorei mesmo a narrativa, foi envolvente e bem escrita! <3
    xoxo

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